NOITE DE VERÃO
Sabes o que vou fazer
nesta noite quente de Verão?
Vou pegar na minha almofada
e recostar-me no parapeito da janela.
Vou em tronco nu enxotar os gatos
vou ver os meus vizinhos asseados
fazerem pontaria aos carros inanimados
com embrulhos de lixo voadores.
Vou ver os bêbados retardatários
vomitarem encostados às paredes
e apressarem-se a ir sovar as mulheres
(porque não podem sovar o Mundo).
Vou ver o guarda-nocturno a assoar-se
(embora seja uma noite quente de Verão)
e a verificar as fechaduras
(quem sabe se não estarão a assaltar-lhe a casa).
Escorrem-me pela testa rios de suor
caindo vagarosamente para o peito
que não afogam a revolta
de não poder dar uma sova de carinho
nem que seja na solidão.
Por isso sabes o que vou fazer
nesta noite quente de Verão?
Vou esperar o fim de todos os fins do Mundo
sem me rir dos bêbados
que sovam as mulheres a desoras
nem me preocupar com o lixo
que submergiu a cidade
nem com os gatos que miam à lua
nem com a ronda do guarda-nocturno
(quem sabe se não estarão a assaltar-lhe a casa)
JR 1985
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