quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Conto de Natal

Nesta época festiva, apresentamos mais uma prenda…

um belo texto de uma aluna da nossa Escola (Ead).



Pauline Caroline

Texto de Laíse Pereira, 9A2


            Era Natal. Nevava como não nevava há bons anos — flocos brancos como penas de cisnes alvos desciam carregados pelo vento até o solo gelado e duro. Eu vestia um suéter vermelho que doía aos olhos, uma peça de roupa caçada de uma das minhas inúmeras malas de roupas de inverno.

            O parque estava movimentado. Era do tipo que tinha estandes de comida abertos vinte e quatro horas por dia e apresentações musicais a cada cinco. Crianças corriam para lá e para cá, adultos se cumprimentavam e um Papai Noel falso sorria para as câmeras sempre que posava para uma nova pessoa. Um cheiro de chocolate quente e pipoca pairava pelo ar — definitivamente aquela era a imagem perfeita da festividade que todos adoravam.

            Eu estava sentada, tomando um café preto sem açúcar numa caneca que de tão quente queimava a ponta de meus dedos. Esperava minha irmã mais nova, cujo nome era uma confusão de letras que meus pais adoravam: Pauline Caroline. Eu a chamava de Line, é claro, um apelido de muita mais fácil compreensão. Mas meus pais adoravam nomes antigos, como se estivéssemos presos na era vitoriana, onde a Londres ainda era o centro da economia mundial.

            E então, eu a vi: correndo em minha direção com os braços abertos, quase engolida por inteiro pelo seu casaco roxo, as bochechas coradas, os olhos brilhando e a ponta do nariz rosada. Seu cabelo castanho preso em uma trança lateral estava úmido graças aos flocos que grudaram em seus fios cor de chocolate.

            Pauline Caroline tinha doze anos, um “acidente” de meus pais quando eu tinha três anos e quase completando quatro. Com o passar do tempo se tornara quase uma sombra minha — me seguia para todos os lados cantarolando canções de A Pequena Sereia e com os cantos da boca sujos de chocolate. Éramos próximas e a amava, embora, de vez em quando, gostasse de ter algo que os adolescentes da nova geração chamam de “privacidade”.

            — Olha o que o Papai Noel me deu! — ela gritou quando chegou perto o bastante de mim, estendendo algo que parecia ser um pequeno cavalo de madeira branca. — Não é bonito? Vou chamá-lo de Floco de Neve!

            Para crianças do século XXI, eu e Pauline Caroline éramos mentalmente velhas — trocávamos tablets e computadores por livros e velharias e vestiamos roupas que pareciam terem saído do armário de nossa falecida avó, uma guerreira que lutara até o último instante contra o cancro de mama.

            Lembrar de nossa avó era uma tarefa difícil — sentíamos tanta falta que chegar o peito doía. Mas o que ela mais gostava era do natal e de cozinhar banquetes reforçados para a família inteira — ela convidava até os primos distantes, que nunca ligavam durante o ano ou se lembravam de sua existência.

            — É bonito. — eu disse para Pauline Caroline e sorri, segurando sua mão. — Mas acho melhor voltarmos para casa. Está ficando tarde e sabe como mamãe fica quando não chegamos antes das sete.

            — Ela enlouquece. — Pauline Caroline riu, provavelmente se lembrando de algum momento específico. — Mas tens razão, é melhor apressarmos o nosso passo. Estou faminta e quero um pedaço daquele peru.

            Rimos, divertidas, e começamos a caminhar pela rua com neve pisada. Fazia um frio de estralar os ossos e nos encolhíamos uma na outra para aumentar o calor corporal. Ainda segurava a caneca, que já arrefecera, já que era um conjunto especial de minha mãe e tínhamos apenas saído para ver o Papai Noel (falso).

            Estávamos perto de chegar em casa quando Pauline Caroline viu uma criança pequena, que devia ter uns quatro ou cinco anos, encarando com desejo uma vitrine cheia de brinquedos em exposição. Eu a reconheci de imediato: era um dos órfãos da casa de caridade ao lado. Eles eram bem cuidados, mas eu suspeitava que não tinham recursos necessários para presentes em festas caras como o Natal.

            Ao ver a criança pequena, senti que Pauline Caroline estremeceu. Aos doze anos, tinha certa dificuldade em admitir que a vida era injusta para alguns. Ela encarou com cuidado Floco de Neve. Talvez por ser Natal, talvez por causa da famosa “magia” que toca as pessoas, talvez por um motivo que nunca saberei, Pauline Caroline pegou o cavalinho de madeira e se aproximou da criança.

            — O Papai Noel mandou eu dar isto para você. — brincou, sorrindo e estendendo o presente.

            A criança arregalou os olhos, surpresa com aquele gesto de bondade. Com seus pequenos dedinhos gelados, pegou Floco de Neve, agradeceu e saiu correndo, envergonhada — ou com medo de que minha irmã mudasse de ideia.

            — Foi um gesto muito bonito. — elogiei Pauline Caroline.

            — Obrigada. — ela corou intensamente, como sempre fazia quando ficava encabulada.

            Ri de sua expressão e começamos a avançar de volta para casa.

            Afinal, aquele era dia de Natal e ainda tínhamos um peru para devorar.

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