6 de fevereiro
de 1608:
Nasce o Padre António Vieira
Notável prosador e o mais conhecido orador religioso
português, o Padre António Vieira nasceu em 1608, em Lisboa, filho primogénito
de um modesto casal burguês, e faleceu na Baía em 1697. Quando tinha apenas
seis anos, os seus pais mudaram-se para a Baía, no Brasil, tendo aí iniciado os
seus estudos.
Os jesuítas tinham sido desde sempre os portadores da cultura
e civilização no Brasil, com relevo especial para os Padres José de Anchieta e
Manuel de Nóbrega. Assim sendo, cursou Humanidades no colégio da Companhia de
Jesus, onde revelou bem cedo dotes excecionais. Aos 15 anos, motivado pela sua
fé na Virgem das Maravilhas na Sé baiana e por um sermão que ouviu sobre as
torturas do Inferno, Vieira teve o seu famoso "estalo" e decidiu
ingressar na Companhia de Jesus. Ante a oposição dos pais, Vieira fugiu de casa
e prosseguiu a sua formação, em que predominavam as Humanidades Clássicas
(principalmente o latim), a Filosofia e a Teologia, com especial relevo para a
Sagrada Escritura. Guiado pelos pressupostos e práticas jesuíticas, que
apontavam para o objetivo primordial da salvação do próximo através da
pregação, exerceu a sua função evangelizadora junto dos indígenas de uma aldeia
onde passou algum tempo.
Todavia, cedo regressou à capital de forma a continuar a sua
formação. Ao entrar no segundo ano do seu noviciado, assistiu à brusca invasão
dos holandeses na Baía, tendo de refugiar-se no interior da capitania.
Começara, então, a Guerra Santa entre Portugal e os inimigos de Deus, a que
Vieira não ficou alheio durante mais de 25 anos. Descrevendo estes eventos
calamitosos do ano de 1624, na "Carta Ânua" ao Padre Geral em Roma,
Vieira deixou claro que a sua atividade não se limitaria a ser meramente religiosa,
pois os preceitos jesuíticos, que apontavam para a emulação e o instinto de
luta, levavam-no a bater-se pela justiça.
Em 1625 António Vieira fez votos de pobreza, castidade e
obediência e, propondo-se missionar entre os ameríndios e escravos negros,
estudou a "língua geral" (tupi-guarani) e o quimbundo. Foi nomeado
professor de Retórica no colégio dos Padres em Olinda, onde permaneceu dois ou
três anos, tendo depois voltado à Baía com o fito de seguir os cursos de
Filosofia e Teologia. Ordenado padre em dezembro de 1634, depressa se avolumou
a sua fama de orador e se celebrizaram os seus sermões que refletiam as
vicissitudes da Baía, em luta contra os holandeses, e criticavam a ganância, a
injustiça e a corrupção. Em 1641, restaurada a independência, Vieira acompanhou
o filho do governador, que vinha trazer a adesão do Brasil a D. João IV, à
Metrópole. Em Lisboa, começou a pregar em S. Roque e logo o seu talento se
espalhou pela cidade. Segundo o testemunho de D. Francisco Manuel de Melo, a
afluência às pregações era tal que, como se de provérbio se tratara, corria a
frase: "Manda lançar tapete de madrugada em S. Roque para ouvir o Padre
António Vieira". Cativa o favor de D. João IV, que não tardou em
convidá-lo a pregar na capela real, onde ele proferiu o seu primeiro sermão no
dia 1 de janeiro de 1642. Dois anos depois foi nomeado pregador régio. Nos
numerosos sermões desta época da sua vida, Vieira não se cansava de animar o
auditório a perseverar na luta desigual com Castela e propunha medidas
concretas para a solução de problemas, inclusive de ordem económica. A sua
situação privilegiada dentro da corte teria contribuído para que fosse
encarregue de diversas missões diplomáticas na Holanda, França e Itália, como
foi o caso do casamento do príncipe Teodósio. Em 1644, António Vieira proferiu
os votos definitivos, depois de ter feito o terceiro ano de noviciado em
Lisboa. A Companhia de Jesus começou a ver com maus olhos a sua influência nos
destinos do país, ameaçando-o de ser expulso da Companhia. A pedido da mesma,
voltou ao Brasil em 1653, para o estado do Maranhão e aí assumiu um papel muito
ativo nos conflitos entre jesuítas e colonos, como paladino dos direitos
humanos, a propósito da exploração dos indígenas. No ano seguinte pregou o
Sermão de Santo António aos Peixes. Foi expulso do Maranhão pelos colonos, em
1661, e regressou a Lisboa. De novo na capital, D. João IV, seu protetor, havia
falecido e D. Afonso VI, instigado pelos inimigos do orador, desterrou-o para o
Porto e, mais tarde, para Coimbra. Perfilhando as novas expectativas
sebastianistas que encontrou no reino, que se baseavam no juramento de D.
Afonso Henriques, nas cartas apócrifas de São Bernardo, nas profecias
atribuídas a São Frei Gil e nas famosas trovas de Bandarra, escreveu o Sermão
dos Bons Anos, em 1642. Foi nesta altura que a Inquisição o prendeu sob a
acusação de que tomava a defesa dos judeus, acreditava nas possibilidades de um
Quinto Império e nas profecias de Bandarra. Durou largo tempo o processo,
porque a Inquisição não se dava por satisfeita e impunha que reconhecesse os
seus erros, a que o padre jesuíta se recusou, e talvez se não salvasse da
fogueira, se a Companhia o abandonasse à sua sorte, e o papa Alexandre VII não
interviesse a recomendar-lhe que se retratasse. A sentença do tribunal foi
proferida a 23 de dezembro de 1667. Condenando Vieira a perder a voz ativa e
passiva, proibindo-lhe a predica, e ordenando-lhe que se recolhesse a um
colégio de noviços, ele ouviu a sentença de pé e imóvel durante duas horas com
o olhar fito num crucifixo do tribunal, e isto depois de 27 meses de cárcere
incomunicável. Entretanto, a situação
política alterou-se. Destituído D. Afonso, subiu ao trono D. Pedro II. António
Vieira foi amnistiado e retomou as pregações em Lisboa. Em 1669 parte para Roma
como diplomata e obtém grande sucesso como pregador, combatendo o Tribunal do
Santo Ofício. Na Cidade Eterna, continuou a defesa acérrima dos judeus e ganhou
grande reputação, encantando com a sua eloquência o Papa Clemente X e a rainha
Cristina da Suécia. Regressou a Portugal em 1675; mas, agora sem apoios
políticos e desiludido pela perseguição aos cristãos-novos (que tanto
defendera), retirou-se de vez para a Baía em 1681 onde se entregou ao trabalho
de compor e editar os seus Sermões. A sua prosa é vista como um modelo de
estilo vigoroso e lógico, onde a construção frásica ultrapassa o mero
virtuosismo barroco. A sua riqueza e propriedade verbais, os paradoxos e os
efeitos persuasivos que ainda hoje exercem influência no leitor, a sedução dos
seus raciocínios, o tom por vezes combativo, e ainda certas subtilezas
irónicas, tornaram a arte de Vieira admirável. As obras Sermões, Cartas e
História do Futuro ficam como testemunho dessa arte.
Padre António Vieira.
In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013.
wikipedia(imagens)
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