Deleitem-se, pois...
A Vitória da Sombra[1]
Sentado na soleira da porta, Anuar contemplava as sombras que o Sol projectava nas paredes do jardim. Admirava a maravilha de Deus que com o Seu dedo de luz desenha as formas vagas e obscuras que se movem e vivem no mundo. Formas diferentes daquelas que as fogueiras revelam. As do dedo de Deus sempre regressam. São eternas, percorrendo o deserto em busca da noite.
Uma mão pousou, leve, no seu ombro. Assustou-se, como sempre acontecia quando a mãe o chamava durante os momentos em que se perdia no mundo deslumbrante das sombras. Leila baixou-se e segredou-lhe: “Anda filho, vem comer.” Anuar não tinha fome, nunca tinha fome. Recordou as palavras do Livro: “Já viste como o teu Senhor estende a sombra? Se Ele quisesse, tornava-a permanente. Tornámos o Sol guia dela.”[2]
Leila levantou-se e voltou ao interior da casa. Os olhos de Anuar mergulharam, de novo, no percurso maravilhoso das sombras em direcção ao Horizonte, em direcção ao Oriente, rumo ao Céu. A árvore no canto do jardim falou-lhe no Nome de Deus. E ele contou as sombras dos ramos. Primeiro, à esquerda: um, dois, três, quatro, cinco. Depois, à direita: um dois, três, quatro, cinco, seis.
Anuar meditou sobre os ensinamentos do Livro… “Tornámos o Sol guia dela.” E saudou, mais uma vez, a vitória da sombra.
António Tavares
[1] Texto incluído na coletânea ”Alicerces”, tendo em vista a angariação de fundos para a construção da casa da ACREDITAR no Porto - Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro – Porto 2012.
[2] Alcorão, Sura XXV, 47. Edição da Junta de Investigações Científicas do Ultramar, Lisboa – 1979.
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