Abraço de gratidão, prof. Fernanda Manuela Antunes, pela celebração de um "Aniversário" inesperado e especialíssimo.
"Quando os dias chuvosos se aproximam, nada mais prazenteiro do que ler um poema de um Poeta (com maiúscula!), acompanhado por um chá bem quentinho e em boa companhia!
O poema “Aniversário”, de Álvaro de Campos, leva-me sempre ao meu tempo da infância, “aos serões de meia província”. Através dele, quase consigo fazer uma viagem real no tempo: os meus familiares ancestrais, o cheiro a pão doce, a amêndoas de licor, a soalho encerado e a maresia da praia de Espinho.
Foi um prazer partilhar convosco essa lembrança, através dos versos inigualáveis deste heterónimo de Pessoa.
Bem hajam. "
Fernanda Manuela (profª de Português da ESFB)
No tempo em que festejavam o dia dos meus
anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma
tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava
certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus
anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber
coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros
tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia
ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o
sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui - ai, meu Deus!, o que só hoje
sei que fui...
A que distância!
(Nem o eco! )
O tempo em que festejavam o dia dos meus
anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no
corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me
amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a
casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como
um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus
anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali
outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem
tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me
cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com
melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas - doces,
frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e
tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus
anos. . .
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na
cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado
na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus
anos!
Professora
Fernanda Manuela Antunes
Alegria no trabalho, "para além dos olhos..."
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